Nacionalismo e patriotada
Vêm à tona as diferenças entre um e outra, na qual o Brasil é recordista mundial. Vale lembrar três décadas esperançosas e Getúlio Vargas
Nacionalista exemplar
Meu pai, Giannino, detestava o futebol e quando a seleção italiana ganhou seu segundo Mundial, em 1938 na França, ficou de péssimo humor dias a fio. “Essas vitórias só aproveitam ao fascismo, ainda bem que os franceses vaiaram a Azzurra”, tal seu estribilho. Ele era antifascista e os camisas negras acabariam por prendê-lo em 1944.
A família Carta chegou a São Paulo em agosto de 1946, meu irmão e eu fomos estudar no Colégio Dante Alighieri, que recuperara seu nome depois de ter sido chamado Visconde de São Leopoldo durante a Segunda Guerra Mundial, por ser a Itália inimiga do Brasil.
Aconselhou meu pai: “Tenha o cuidado de não se apresentar como nascido na terra de Dante, Michelangelo e Galileu, gigantes do pensamento humano, não estão à sombra de bandeira alguma, são vanguardeiros do mundo”.
Giannino era liberal à moda antiga, e isto bastava e sobrava para que o fascismo o considerasse subversivo. Excelente jornalista, levado à profissão, depois de se formar em Direito, pelo meu avô materno, Luigi Becherucci, ferozmente perseguido pelo fascismo.
Aprendi muito com meu pai e não somente em jornalismo. Ele era também professor de História da Arte e chegou a dar um curso na USP no final dos anos 40. Cortês, afável, cordial, discordávamos em política, mas o entendimento era perfeito em matéria de ética e estética, que, de resto, são a mesma coisa, segundo os gregos.
Meu pai tratou de me explicar a diferença entre nacionalismo e patriotada, e que aquele, praticado até as últimas consequências, recomenda condenar em perdão as pretensões nacionalistas da reação. Mussolini amparava seu nacional-socialismo na patriotada e de socialista nada tinha. Não excluo que o nosso Bolsonaro seja dessa estirpe.
O Brasil é campeão mundial da patriotada. O espetáculo que os estádios do mundo proporcionam é em geral patético, mas as arenas do futebol jamais se ornam com tantas bandeiras verde-amarelas como nos dias em que a Seleção adentra os gramados, e isso vale também para as praças de outros esportes.
Em lugar algum como no Brasil, o cidadão veste a camiseta dos times nacionais em quaisquer ocasiões, inclusive passeatas de propósitos políticos, enquanto não há oportunidades perdidas para cantar o hino de Duque Estrada e Francisco Manuel da Silva.
Pergunto aos meus desencantados botões até que ponto esse pessoal de canarinho sabe dos interesses do País. Poucos, muito poucos, respondem, e acrescentam, álgidos: em compensação, a larga maioria está sempre preparada para a patriotada.
Não cabe referência às quadrilhas no poder, atuam em seu exclusivo proveito, e o Brasil que se moa. Não deixarão, os golpistas, de se dizer patriotas, como convém aos canalhas, e haverá quem acredite.
O Brasil já pôs em prática políticas nacionalistas a partir de Getúlio Vargas na sua primeira versão, quando criou Volta Redonda, deu origem à CLT e criou o salário mínimo. Eu teria preferido que não privasse tão intimamente com Filinto Müller e o general Góes Monteiro, mas ele encaminhava um projeto digno de um país industrializado.
Eleito democraticamente, prosseguiu pelo mesmo rumo e seu suicídio é uma confissão de impotência diante da implacável prepotência da casa-grande. Incapaz, entretanto, de impedir a eleição de JK.
Juscelino cometeu erros e acertos, de todo modo não traiu o País. Nacionalistas denodados houve no governo de João Goulart, que por sua ousadia pagou caro. E veio o golpe de 1964. De todo modo, por três décadas o Brasil viveu um momento amiúde difícil, porém esperançoso, à altura da contemporaneidade do mundo.
Tudo o mais nos conduz ao desastre dos dias de hoje. Ditadura por 21 anos, redemocratização de fancaria para se concretizar no entreguismo tucano, o parêntese alvissareiro do governo Lula, logo frustrado, enfim o impeachment de Dilma Rousseff e o Estado de Exceção de pura marca mafiosa. O nacionalismo de um tempo tornou-se cada vez mais uma quimera
cartacapital.com.br
Nacionalista exemplar
Meu pai, Giannino, detestava o futebol e quando a seleção italiana ganhou seu segundo Mundial, em 1938 na França, ficou de péssimo humor dias a fio. “Essas vitórias só aproveitam ao fascismo, ainda bem que os franceses vaiaram a Azzurra”, tal seu estribilho. Ele era antifascista e os camisas negras acabariam por prendê-lo em 1944.
A família Carta chegou a São Paulo em agosto de 1946, meu irmão e eu fomos estudar no Colégio Dante Alighieri, que recuperara seu nome depois de ter sido chamado Visconde de São Leopoldo durante a Segunda Guerra Mundial, por ser a Itália inimiga do Brasil.
Aconselhou meu pai: “Tenha o cuidado de não se apresentar como nascido na terra de Dante, Michelangelo e Galileu, gigantes do pensamento humano, não estão à sombra de bandeira alguma, são vanguardeiros do mundo”.
Giannino era liberal à moda antiga, e isto bastava e sobrava para que o fascismo o considerasse subversivo. Excelente jornalista, levado à profissão, depois de se formar em Direito, pelo meu avô materno, Luigi Becherucci, ferozmente perseguido pelo fascismo.
Aprendi muito com meu pai e não somente em jornalismo. Ele era também professor de História da Arte e chegou a dar um curso na USP no final dos anos 40. Cortês, afável, cordial, discordávamos em política, mas o entendimento era perfeito em matéria de ética e estética, que, de resto, são a mesma coisa, segundo os gregos.
Meu pai tratou de me explicar a diferença entre nacionalismo e patriotada, e que aquele, praticado até as últimas consequências, recomenda condenar em perdão as pretensões nacionalistas da reação. Mussolini amparava seu nacional-socialismo na patriotada e de socialista nada tinha. Não excluo que o nosso Bolsonaro seja dessa estirpe.
O Brasil é campeão mundial da patriotada. O espetáculo que os estádios do mundo proporcionam é em geral patético, mas as arenas do futebol jamais se ornam com tantas bandeiras verde-amarelas como nos dias em que a Seleção adentra os gramados, e isso vale também para as praças de outros esportes.
Em lugar algum como no Brasil, o cidadão veste a camiseta dos times nacionais em quaisquer ocasiões, inclusive passeatas de propósitos políticos, enquanto não há oportunidades perdidas para cantar o hino de Duque Estrada e Francisco Manuel da Silva.
Pergunto aos meus desencantados botões até que ponto esse pessoal de canarinho sabe dos interesses do País. Poucos, muito poucos, respondem, e acrescentam, álgidos: em compensação, a larga maioria está sempre preparada para a patriotada.
Não cabe referência às quadrilhas no poder, atuam em seu exclusivo proveito, e o Brasil que se moa. Não deixarão, os golpistas, de se dizer patriotas, como convém aos canalhas, e haverá quem acredite.
O Brasil já pôs em prática políticas nacionalistas a partir de Getúlio Vargas na sua primeira versão, quando criou Volta Redonda, deu origem à CLT e criou o salário mínimo. Eu teria preferido que não privasse tão intimamente com Filinto Müller e o general Góes Monteiro, mas ele encaminhava um projeto digno de um país industrializado.
Eleito democraticamente, prosseguiu pelo mesmo rumo e seu suicídio é uma confissão de impotência diante da implacável prepotência da casa-grande. Incapaz, entretanto, de impedir a eleição de JK.
Juscelino cometeu erros e acertos, de todo modo não traiu o País. Nacionalistas denodados houve no governo de João Goulart, que por sua ousadia pagou caro. E veio o golpe de 1964. De todo modo, por três décadas o Brasil viveu um momento amiúde difícil, porém esperançoso, à altura da contemporaneidade do mundo.
Tudo o mais nos conduz ao desastre dos dias de hoje. Ditadura por 21 anos, redemocratização de fancaria para se concretizar no entreguismo tucano, o parêntese alvissareiro do governo Lula, logo frustrado, enfim o impeachment de Dilma Rousseff e o Estado de Exceção de pura marca mafiosa. O nacionalismo de um tempo tornou-se cada vez mais uma quimera
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