Investigação apura atuação de Cunha em rombo de R$ 2 bi no fundo de pensão da Cedae
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Ex-deputado usou influência política para lucrar com papeis podres no mercado a partir de convênio com a Caixa; CVM, MPF e PF investigam

RIO - As colaborações premiadas do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e do doleiro Lúcio Funaro, em fase de negociação, vão trazer à tona, se homologadas pela Justiça, um esquema que, em 15 anos, aumentou de R$ 75 milhões para cerca de R$ 2 bilhões o rombo na Prece, como é chamada a previdência complementar dos funcionários da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae).
Os fundos eram administrados por ex-funcionários da Caixa Econômica Federal e da Cedae, indicados pelo ex-deputado e que trabalhavam sob sua orientação. As operações, que se estenderam de 2002 até este ano, são alvo de investigação de Polícia Federal, Ministério Público Federal (MPF) e Comissão de Valores Mobiliários (CVM), segundo confirmou O GLOBO. E vão muito mais além das transações já investigadas pela força-tarefa da Lava-Jato no esquema de Cunha, Funaro e Fabio Cleto (ex-vice-presidente da Caixa) no fundo de investimento FI-FGTS.
Um dos integrantes eleitos do Conselho Deliberativo da Prece, Valdemir de Carvalho responsabiliza a Cedae pela totalidade do rombo bilionário nos fundos. Segundo ele, os participantes sempre se opuseram à maneira como as aplicações eram feitas no mercado, questionando os maus resultados e a falta de transparência, denunciados ao MPF e à Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc):
— Os indicados da Cedae que autorizaram as operações foram sempre questionados pelos representantes dos trabalhadores, que votavam contra suas decisões e faziam notificações judiciais e denúncias no MPF. Portanto, para nós, a Cedae é responsável pelo rombo de quase R$ 2 bilhões.
Carvalho explica o tamanho dos defaults, como são chamados os prejuízos:
— O rombo total são os defaults de R$ 1,1 bilhão mais R$ 788 milhões de déficit apurado nos planos. A grande maioria dos defaults foi o Eduardo Cunha que operou através de seus interlocutores no mercado e na Prece.
Os fundos de pensão são um tipo de investimento no qual o trabalhador contribui com uma parte do salário para ter uma renda maior na hora de se aposentar. Com patrimônio bilionário, injetam o dinheiro em aplicações e projetos em busca de retorno financeiro. Sob influência de políticos, negócios arriscados podem resultar em prejuízos e colocar em risco a aposentadoria extra de milhares de trabalhadores.
Eduardo Cunha tem influência sobre as indicações de diretores da Cedae e da Prece desde o governo de Rosinha Garotinho, há 15 anos. De lá para cá, o esquema se sofisticou e ficou conhecido dentro da estatal como “escola do crime”, porque alguns dos funcionários chegaram a fazer cursos de especialização — bancados pela empresa — apenas para operar melhor no mercado, só que em favor do ex-deputado e em prejuízo da companhia.
Esquema de Cunha em fundos de pensão da Cedae
Com sua influência consolidada na Cedae e na Prece para nomear pessoas ligadas ao setor de investimentos, o ex-deputado passou, segundo pessoas que trabalham na Prece, a investir na compra e venda de títulos podres. Uma das transações, feita ainda em 2004 e 2005, acendeu um sinal de alerta na CVM. Cunha obteve lucro de R$ 917 mil, mas a Prece registrou prejuízo. Investigações da CVM e do Ministério Público Federal chegaram à conclusão que o resultado seria impossível porque o ex-deputado teria de ter tido mais sorte que um ganhador da Mega-Sena, de acordo com documento enviado pelos investigadores ao Supremo Tribunal Federal.
Nas apurações, ficou nítido que os “investidores” tomavam conhecimento prévio do resultado que as operações iriam gerar e deixavam para os fundos todos os negócios com preços desfavoráveis, enquanto alguns determinados clientes das corretoras operavam compras e vendas do mesmo contrato futuro que, invariavelmente, resultavam em “ajustes do dia” positivos, de maneira que “todos os prejuízos ficavam para os fundos e todos os lucros para determinados clientes das corretoras, dentre eles Eduardo Cunha e Lúcio Funaro”.
A série de maus investimentos levou os participantes da Prece a ver seu patrimônio ser dilapidado nos últimos 17 anos. No ano 2000, o fundo de previdência chegou a dar lucro de R$ 26 milhões, mas parou por aí. O prejuízo, que já estava em R$ 75 milhões em 2002, saltou para R$ 147 milhões, em 2003; R$ 236,5 milhões, em 2004 e alcançou os R$ 300 milhões em 2005, ano em que a Prece foi alvo da CPI dos Correios.
Procurada, a Prece afirmou que “a atual diretoria, conselhos deliberativo e fiscal são compostos, em sua totalidade, por participantes dos planos de benefícios administrados pela entidade, o que, sem dúvida, confirma o grau de comprometimento e confiança com os seus objetivos e que cumpre a exigência da Previc para atender a uma série de requisitos para exercerem seus cargos”.
A respeito do pagamento de cursos a funcionários treinados para atuarem no mercado financeiro, a entidade disse que possui “um corpo técnico altamente qualificado e capacitado e uma equipe com graduação em instituições de ensino renomadas, além de larga experiência de mercado”.
A Prece não comentou a influência política de Cunha em seus quadros, tampouco respondeu às perguntas sobre o aumento do rombo por investimentos malsucedidos.
Advogado de Funaro, Bruno Espiñeira Lemos disse que está concentrando sua defesa apenas em informações do FI-FGTS e que, até o momento, seu cliente não tratou com ele sobre sua atuação no mercado financeiro a respeito de fundos de pensão.
Perguntada, a Cedae afirma que o período analisado não corresponde ao da atual gestão e que Cunha nunca ocupou cargo na companhia. “Não há relação entre o ex-deputado e a administração da Cedae, que está à disposição da Justiça para esclarecimentos”. A empresa não respondeu sobre os dados do prejuízo da Prece apontados no relatório ao qual O GLOBO teve acesso.
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