BNDES de Vargas faz privatização, vira hospital de empresa e alvo da Lava-Jato .

BNDES (Foto: Agência Estado)



“Instrumento da mais alta eficiência para a política financeira”. Assim noticiou O GLOBO a criação do então Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE, ainda sem o "s"), em 17 de junho de 1952. Proposto por economistas, entre eles Roberto Campos, e pelos parlamentares Ivo de Aquino, João Gripino, Gustavo Capanema e o ministro Horácio Lafer, o banco surgiu com o objetivo de fomentar e auxiliar o crescimento da economia brasileira, sendo fundado três dias depois, com a assinatura da lei 1.628 pelo presidente Getúlio Vargas.
A instituição financeira, que se tornaria a maior no setor de fomento no mundo nos anos 2000, passou por diversas fases, mas quase sempre envolvendo o aumento da infraestrutura nacional e o empréstimo de dinheiro às grandes empresas brasileiras. Esse tipo de foco foi mais claro nos anos 70, quando passaria a ser conhecido como “Recreio dos Bandeirantes”, por seus muitos negócios com empresas paulistas, e na Era Lula, quando adotou uma política de “campeões nacionais”, empresas brasileiras que receberam grandes aportes para competir no mercado internacional.



Tendo como primeiro presidente o professor e engenheiro Ary Torres, o BNDES começou suas operações provisoriamente na sede do Ministério do Trabalho, no tradicional prédio da Avenida Antônio Carlos, no Centro do Rio. Autarquia inicialmente subordinada ao Ministério da Fazenda, o banco recebeu um aporte inicial de 20 milhões de cruzeiros, investidos no “reaparelhamento da economia nacional”, segundo comunicado de 1952 da Presidência. Foi também nos anos 50 que as vagas do BNDE passaram a ser preenchidas com funcionários concursados, o que gerou uma crise com os antigos interinos em 1955, quando o então presidente da instituição, Glycon Paiva, declarou: “A diretoria não está, nem poderia estar, possuída de animosidade contra qualquer funcionário do banco”, em entrevista concedida no dia 7 de maio ao GLOBO.

Já no final dos anos 60 e começo dos 70, foi a vez de o então BNDE tomar parte importante no período que ficou conhecido como “milagre econômico”, ocorrido durante os anos de chumbo da ditadura militar. Com forte investimento do governo nas indústrias e em obras, o banco tornou-se um dos mecanismos de impulso à economia, fornecendo empréstimos para grandes e pequenas empresas. A distribuição era tão farta que Marcos Pereira Vianna, seu presidente entre 1970 e 79, chegou a declarar que o banco não poderia “prolongar artificialmente a vida” das várias empresas que recorriam ao BNDE e se mantinham suscetíveis à má gestão. Para ele, em reportagem publicada no jornal em 11 de março de 1972, a “incompetência das administrações quase sempre se confunde com o seu grupo controlador”.
No mesmo ano, o general-presidente Emílio Garrastazu Médici mudou o estatuto da instituição. A partir do dia 22 de setembro, o BNDE passaria a contar com um conselho composto de nove membros, que ajudariam nas decisões. Na época, o banco alcançava grandes proporções, até mesmo em nível internacional. Em 1973, a instituição havia crescido 30% em comparação ao triênio anterior e já era o segundo maior banco de fomento do mundo, atrás apenas do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird), o Banco Mundial, sediado nos Estados Unidos, criado após a Segunda Guerra.

Mais mudanças aconteceram alguns meses depois, em maio de 1974, quando o ministro do Planejamento, João Paulo dos Reis Veloso, criou três instrumentos de incentivo para as empresas nacionais por meio do BNDE. Entre eles, o Investimentos Brasileiros S/A, que permitia ao banco adquirir participação minoritária em capital de empresas nacionais, marcando o começo do envolvimento direto da instituição nas composições acionárias das companhias. A medida, acompanhada das ações Mecânica Brasileira S/A e Financiamento de Insumos Básicos, foram propostas pelos ministros Veloso, Severo Gomes (Indústria e Comércio) e Mário Henrique Simonsen (Fazenda).

A próxima mudança de grande porte ocorreu durante a presidência do general João Batista Figueiredo, que anunciou no ocaso do regime militar, em 1982, o acréscimo da palavra Social ao nome do banco, tornando-se BNDES. Na mesma reformulação, a instituição passou a ser operada pela Secretaria de Planejamento da Presidência. Conforme informou o jornal, em reportagem publicada no dia 26 de maio, “os recursos do fundo (Finsocial) serão administrados pelo BNDES e aplicados em programas e projetos elaborados segundo diretrizes estabelecidas pelo presidente da República”. Na mesma edição, O GLOBO critica “a crença de que o governo tudo pode, que faz com que o mundo contemporâneo veja erroneamente no poder público o responsável por todos os males que atingem a sociedade”.

Intensificando suas ações durante as décadas de 80 e 90, e com papel importante na privatização das empresas estatais promovida pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, com oferta de financiamento para os compradores, o BNDES voltou a ter um grande protagonismo nas gestões presidenciais petistas. A chegada de Lula à Presidência, em 2003, trouxe uma nova política desenvolvimentista para o país, com um aumento considerável do orçamento do banco no decorrer dos anos.

Primeiro presidente do BNDES na Era Lula, o professor Carlos Lessa inaugurou essa fase e ficou conhecido também por suas declarações polêmicas, como a feita em 23 de janeiro de 2003, em sua posse: “O banco foi reduzido ao ‘B’ de banal... se fôssemos um ‘B’, estaríamos só olhando o risco, mas somos “NDES”. Estou preocupado com a nação e com o desenvolvimento”. As frases acabaram causando desconforto interno, e Lessa acabou demitido, dando lugar a Guido Mantega, então ministro do Planejamento, que também provocou controvérsias com seu discurso, como “o Fundo Monetário Internacional (FMI) está mais preocupado em salvar os bancos, não os países”, em 1998, e “eu não derrubo, só levanto o PIB”, em 2003. Mantega permaneceu no cargo por aproximadamente dois anos e deu seguimento à linha de aumento na concessão de empréstimos.

Com foco na criação de “campeões nacionais”, empresas brasileiras que, com ajuda de empréstimos e investimentos do banco, poderiam concorrer no mercado internacional, o BNDES viu seu orçamento aumentar de forma exponencial. Os desembolsos do maior banco de fomento da América Latina chegaram a R$ 52 bilhões em 2006, um aumento de mais de 600%, se comparado aos R$ 7 bilhões de 1995.

A tendência seguiu-se durante as gestões de Demien Focca, que buscou a “internacionalização das empresas brasileiras”, e Luciano Coutinho, que ficou à frente da instituição por quase uma década, sendo mantido no cargo pela sucessora de Lula, Dilma Rousseff. Em sua gestão, empresas de grande porte no país receberam dinheiro do banco, como a Oi, para que pudesse adquirir a Brasil Telecom, e a JBS, que se tornou a maior do mercado de carnes no mundo. Neste período, o BNDES tornou-se o maior banco de fomento do mundo.

O fim da era petista e as crises econômica e política do Brasil, porém, têm afetado a autarquia. O BNDES vem sendo investigado nas operações Lava-Jato e Bullish, sob suspeita de ter favorecido com empréstimos de grande porte empresas investigadas pela Justiça, como a JBS, que teria recebido R$8,1 bilhões desde 2007 e dado um prejuízo de aproximadamente R$1,2 bilhão ao banco, segundo informações divulgadas em 17 de maio de 2017, além das companhias de José Carlos Bumlai, que teriam recebido mais de R$ 500 milhões.

Em maio de 2016, Maria Silvia Bastos Marques, que já dirigira a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), tornou-se a primeira presidente da instituição. Maria Silvia iniciou a coordenação de esforços de privatização no setor de saneamento de alguns estados e de estudos para a concessão de empresas para a transposição do Rio São Francisco, mas ao tentar impor mais rigor nas regras de financiamento do banco, a executiva começou a ser pressionada e pediu demissão em 26 de maio de 2017. Ela foi substituída pelo economista Paulo Rabelo de Castro, que ocupava a presidência do IBGE, amigo do presidente Michel Temer.

* estagiário sob supervisão de Matilde Silveira

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