FHC: "PSDB tem várias peças de substituição; PT só tem o Lula"

 O fato de ter muitos candidatos à Presidência já foi motivo de crítica para o PSDB, mas hoje é uma vantagem do partido em relação ao PT, avalia o tucano e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) em entrevista à BBC Brasil.


"O PT só tem o Lula com expressão nacional", diz ele, agregando, mais adiante na conversa, que o PSDB tem "peça de substituição".
FHC também elogia a estratégia de comunicação do prefeito de São Paulo, João Doria: "Ele hoje está na frente de todos que têm comunicação via rede social. Ele sabe que a linguagem é simbólica, não só racional".
Sobre o primeiro ano de Michel Temer no comando do Brasil, o ex-presidente afirma que o governo fracassou em "levantar o ânimo do país", ainda que tenha havido "acertos na área econômica".
Questionado se poderia vir a se reunir com Luiz Inácio Lula da Silva e Michel Temer, FHC ensaiou uma justifcativa de âmbito pessoal, mas agregou que "politicamente acho mais complicado, porque pode parecer que é para acabar com a Lava Jato. E isso eu sou contra".
Ele também diz que as empresas continuarão a ter proximidade com os políticos porque isso é parte da democracia. "Você não pode imaginar que os políticos agora são freiras enclausuradas que não falam com ninguém", afirma.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista, concedida na sede do Instituto FHC, no centro de São Paulo.
BBC Brasil - Nos seus diários, o sr comenta que Michel Temer desfigurou a reforma da Previdência enviada ao Congresso na década de 1990. A dificuldade em aprovar a reforma atual seria então um carma de Temer?
Fernando Henrique Cardoso - (Risos) Não é que ele pessoalmente tenha desfigurado. Ele era relator da reforma da Previdência na época, e havia tanta emenda que acabou modificando. Ele ajudou, na verdade. Acho que a reforma, neste momento, vai ter que ser feita. É claro que o Congresso sempre negocia, mas o governo tem tido competência em lidar com o Congresso.
E passou uma (reforma) muito importante na Câmara, a trabalhista. O mais importante mesmo é (eliminar) o imposto sindical, que é injusto. Todo mundo paga um dia de salário sem saber por quê, e isso vai para um fundo de 17 mil sindicatos. A Inglaterra tem 160. Por que temos tanto sindicato? Para ter acesso ao fundo. Claro que sindicato forte é importante, mas muitos são fantasmas.
BBC Brasil - Com a baixa popularidade do atual presidente, muitos analistas veem a proximidade com o governo como prejudicial a quem tenha intenções de se eleger em 2018. O senhor acha que o PSDB deve reavaliar sua participação nesta gestão?
FHC - Não acho, porque o PSDB votou a favor do impeachment, e ficaria muito feio depois disso dizer "não brinco mais". Tem que dar sustentação. (...) O partido tem que ter convicção. Não pode apoiar só porque vai ganhar eleição. O eleitorado sente isso e você perde credibilidade.
BBC Brasil - O senhor falou em artigo que "sem líderes críveis não há como recuperar a confiança nos políticos e nas instituições". Quem são os líderes críveis atualmente? Buscá-los fora da classe política é uma opção?
FHC - Veja o que aconteceu na França agora. (Emmanuel) Macron ganhou fora do sistema partidário, porque passou uma mensagem que caiu bem no povo francês e usou métodos modernos.
Aqui no Brasil é a mesma coisa. A estrutura política que montamos na Constituição de 88 funcionou, mas envelheceu. E a multiplicidade de partidos inviabilizou-os. Sempre houve a tendência em votar em pessoas, agora então você não tem alternativa. Acho que temos um espaço aberto. Isso não quer dizer que daqui até a eleição os antigos não possam se renovar. Mas não é fácil. Então você vê que surgem nomes que antes não surgiam nos partidos. Podem ganhar? Podem, o Macron ganhou. Vão ganhar? Não sei, dependerá das circunstâncias.
BBC Brasil - Na época do impeachment via-se o PSDB como um grande beneficiário da troca de comando do governo, mas isso mudou com as delações da Lava Jato. Uma refundação do partido seria uma forma de superar isso?
FHC - O PSDB avançou muito nas eleições municipais, (mas) o sistema todo foi abalado pela Lava Jato e é inegável o desgaste de todos os partidos. Isso implica eu não diria uma refundação, mas os partidos têm que falar com o país, dizer 'eu errei' e 'porque eu errei'. E têm que ter uma mensagem renovada. (...) Eu espero que o PSDB consiga.
BBC Brasil - Como vê a estratégia de João Doria na prefeitura de São Paulo, de receber doações e firmar parcerias com empresários?
FHC - As parcerias público-privadas são hoje admitidas como um caminho, mas acho que não foi por aí que o Doria conseguiu o maior sucesso. Foi porque ele é muito competente em falar com a população. Hoje ele está na frente de todos os que têm comunicação via rede social. Ele sabe que a linguagem é simbólica, não é só racional. Você tem que dar gestos. Posso até não concordar com uma coisa ou outra, mas ele tem um simbolismo.
BBC Brasil - Ele sobe o tom em relação a outros líderes.
FHC - Ele fala duro, usa um palavreado que eu não uso. Mas você vê que é uma linguagem direta, que alguns não vão gostar, mas outros sim. Ele é confrontacional, entra em choque, basicamente com o Lula, que é assim também. Vamos ver.
BBC Brasil - Com isso, ele sai na frente dos demais em 2018?
FHC - Não sei, porque estamos muito longe das eleições. Tem que ser avaliado pela população de São Paulo. (Mas) às vezes se tem a sensação (nos partidos) que o grupo de cúpula se reúne e escolhe. Não é assim. Os partidos querem ganhar. Então quando os candidatos começam a subir, os partidos vão atrás.
BBC Brasil - O Lula disse que a desmoralização dos partidos pode levar ao nazismo ou ao fascismo. Concorda?
FHC - Que pode, pode. Em várias circunstâncias, a desmoralização dos partidos resultou em regimes autoritários, o que é ruim. Então você tem que reconstruir o sistema para criar alternativas.
Agora o próprio Lula é muito centralizador - o PT só tem o Lula como expressão nacional. Isso é bom para ele mas é ruim, porque não sendo ele (candidato), quem vai ser? E a divisão do Brasil entre eles e nós é negativa, porque leva a essa polarização. Você ter como atitude achar que o mundo é dividido em duas metades, uma boa e uma ruim, não é bom para a democracia. A democracia precisa de personalidades que aceitem o outro. Na verdade o Lula aceita, ele diz isso porque acha vantajoso eleitoralmente. Não é que ele na prática seja intolerante, ele é retoricamente intolerante.
BBC Brasil - Fala-se num possível encontro entre o senhor, Lula e Temer, algo que também foi alvo de muitas críticas por um eventual acordo que poderia sair disso. Esse encontro poderia acontecer no atual momento?
FHC - Não. Eu acho que neste momento, o que nós temos que ver é que o acordo tem que ser algo público. Eu não vejo muita razão (para um encontro). Temer foi presidente da Câmara no meu tempo (na Presidência da República). E o Lula, eu conheço desde que ele foi líder (sindical). Como pessoa, eu não acho nada difícil de a gente conversar. Politicamente, é mais complicado. Tem que ver: qual é a agenda? Senão, pode parecer que é para acabar a Lava Jato. E isso eu sou contra.
BBC Brasil - Sobre a Lava Jato, delatores dizem que o esquema de corrupção começou no seu governo. O sr. foi citado nominalmente, como tendo recebido "vantagens indevidas".
FHC - Pelo contrário, fui citado para dizer que eu não fiz nenhuma ilicitude e que eu não sabia de nenhum valor. Não houve citação me envolvendo.
Mas você pode dizer 'sempre há corrupção', e é verdade. Como ato individual, como desvio. Mas não é disso que se trata agora: depois do mensalão e do petrolão, é algo diferente - uma corrupção organizada, para dar sustentação a partidos políticos nas eleições e usa o dinheiro do governo, aumenta o valor dos contratos, certamente com cumplicidade com pessoas do governo para sustentar o poder. Isso é novo. Não houve no meu governo nem em nenhum governo passado.
Se houve alguma corrupção no meu governo eu não sei dizer, pode ter havido. Cabe à Justiça (decidir). Mas não foi organizado. Não teve a minha aprovação. Não foi para sustentar um partido. Agora é diferente. Isso indiscutivelmente nasceu no mensalão.
BBC Brasil - Empreiteiras sempre foram próximas da política. Nos seus diários, o sr comenta que discutiu a sua sucessão com Emílio Odebrecht para a eleição de 2002. Agora que a relação com as empresas está sob escrutínio, acha que esse tipo de relação deveria continuar existindo?
FHC - Não só com o Emilio, com vários. A Odebrecht é uma empresa importante. Também (discuti) com Antonio Erminio de Moraes, Olavo Setúbal. E com líderes sindicais também, com a imprensa... Mas não no sentido de cumplicidade - num sentido de 'quais são os problemas do Brasil?'. As várias vezes que estive com Emilio foi para discutir problemas nacionais.
(...)As grandes empresas têm um papel na vida contemporânea. Como as igrejas. Você pode ver no meu diário, toda hora estou almoçando com cardeais, jantando, conversando. Líderes sindicais… Quer dizer, um presidente não pode ser um ser isolado, ele tem que ser um ser que conversa. Ele tem que ter consciência que está conversando em função dos interesses nacionais. Do povo, do público. É isso.
BBC Brasil - Esse tipo de proximidade com as empresas vai continuar existindo?
FHC - É inevitável. Como é que você vai governar sem ter ligação com sindicatos, igrejas, com o esporte, com, enfim, as empresas? O problema não é de ter proximidade ou não, na democracia tem que ter. O problema é de conduta. Vai conversar sobre o quê? Sobre corrupção? Vai receber um dinheiro? Não pode. Ou vai facilitar um negócio? Não pode. Então você tem que separar as coisas. (Mas) certamente você não pode imaginar que os políticos agora são freiras enclausuradas que não falam com ninguém. Não dá.
BBC Brasil - O senhor escreveu texto pedindo uma distinção entre crimes de caixa 2 e corrupção, algo que tem sido debatido e criticado. Mantém essa visão?
FHC - Caixa 2 também é crime, mas é outro tipo de crime - eleitoral, mas também passível de punição. Mas é diferente da corrupção, algo, a meu ver, de gravidade maior. A não ser que esse delito continuado de caixa 2 seja, como eu disse há pouco, para sustentar um sistema de poder.
BBC Brasil - Mas o caixa 2 não desequilibra totalmente as forças de poder em uma eleição?
FHC - Sim, desequilibra, e o PSDB denunciou (isso como) abuso de poder econômico - você dá mais para uns do que para outros. Não é bom.
(...) Pode evitar corrupção? Pode. Supondo que se possa dar dinheiro privado (para uma campanha eleitoral), em vez de dar para o partido, você dá para o tribunal eleitoral, que abre uma conta para os partidos. Eles então fazem os seus gastos e o tribunal cobre. O Estado tem que estar sempre vigilante para coibir fraude.
Mas não se pode negar que campanha tem custo. Eu sou a favor do voto distrital porque barateia a campanha; contra o marketing na televisão, para baratear a campanha. Se não baratear, as pessoas (candidatos) vão buscar dinheiro sabe Deus onde.
BBC Brasil - A extrema direita vive um momento de ascensão no mundo, com a vitória de Trump nos EUA e com Marine Le Pen recebendo um terço dos votos no segundo turno, por exemplo. Como vê o avanço, por exemplo, de Jair Bolsonaro nesse contexto?
FHC - Há uma crise de democracia no mundo todo. A sociedade contemporânea é muito fragmentada. Os interesses sociais e éticos são os que mais dividem as pessoas. E os partidos se fragmentaram sem ter uma correspondência muito grande (com os interesses das pessoas).
Como você une essas partes? Pela mensagem. O (presidente dos EUA, Donald) Trump criou uma mensagem - a meu ver, retrógrada -, mas que ganhou.
(...) Aqui no Brasil, esse fenômeno não é exatamente igual, mas (...) com a ascensão do Bolsonaro você tem uma formulação autoritária. Eu espero que isso não prospere. Mas acho que apesar da crise da democracia representativa, a ideia de participar do processo de deliberação é muito forte na sociedade contemporânea.
Via PORTAL TERRA

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