'Estou de luto pela sua derrota': as camisas 'intimidatórias' de cursinhos que causam polêmica no Enem
Quando o estudante Gabriel Gonçalves, de 19 anos, entrou na sala para fazer a prova do Enem no domingo (03/11), ele contou sete pessoas vestidas com camisetas que tinham a frase "Tenho redação nota mil garantida".
Aluno de uma escola estadual de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, ele conta que a sua primeira reação ao deparar com o recado foi de "intimidação".
"Eu já estava muito ansioso, claro, e aí quando vi aquilo, inconscientemente aumentou ainda mais a minha ansiedade. Eu respirei fundo, contei até três, e fui me acalmando", conta o jovem, morador da pequena Pradópolis.
A situação não é incomum. Em diversos locais de provas do Brasil, estudantes de colégios e cursinhos preparatórios para o vestibular vestem a camisa — literalmente — na hora das provas.
Nas últimas semanas, o assunto voltou a ser debatido nas redes sociais, após relatos de alguns estudantes, a maioria de escola pública, que acham que há uma tentativa de desestabilizar outros "concorrentes".
O que incomoda estes alunos são as camisas estampadas com frases de efeito, como "Em luto… pela sua derrota", "passo porque sei", "eu posso, eu passo" ou "sua vaga é minha".
A discussão da internet também chegou aos ambientes escolares. A estudante Carolina Sobral, de 18 anos, levou a questão para sala de aula e a outros colegas.
No domingo, ela usou a camisa do cursinho que faz, no Recife, para a prova: "O curso foi muito importante para mim, porque me ajudou num momento muito difícil, de depressão, ansiedade, então quis usar pra me sentir bem", conta.
A pernambucana, entretanto, conta que toda a discussão a levou a refletir sobre a desigualde do oportunidades na educação brasileira.
Neste ano, cerca de 5 milhões de brasileiros se inscreveram para o Enem, que terá a segunda etapa realizada com provas de ciências da natureza e matemática no próximo domingo, 10. Desses, cerca de 1,1 milhão estudam em escolas públicas e outros 1,9 milhão são ex-alunos da rede pública ou bolsistas integral na rede privada, segundo dados do Inep, que organiza a prova.
Autoconfiança
Entre as camisas que foram compartilhadas nas redes sociais como "intimidatórias", está a do cursinho Genius, de Cuiabá (MT). Durante este ano, foi usada uma camiseta preta com a frase "Estou de luto..." na parte da frente e "... pela sua derrota", na parte de trás . O modelo mais recente traz "Relaxa... no próximo ano, o Genius te passa".
Aluno da instituição, João Esperança, de 18 anos, diz que a polêmica acontece todos os anos nas redes sociais, mas defende a escolha dos estudantes em usar a peça: "Para mim, a camisa aumenta nossa moral. A gente usa para se sentir melhor, e não na intenção de diminuir os outros".
O estudante matogrossense, que passava mais de 12 horas por dia no curso, conta que criou relações de "família" com seus colegas e que, para ele, o uso das camisas também forma um laço ainda maior durante a prova.
A "tradição" também acontece em outras cidades do país, como Fortaleza. O professor Dawison Sampaio, supervisor do curso de pré-vestibular do Farias Brito, um dos maiores da capital cearense, esclarece que o uniforme faz parte da história das instituições e serve para identificar quem são os estudantes nos locais de prova.
"É uma forma de desejar um bom exame, incentivá-los. É motivacional para os meninos", esclarece sobre a camisa estampada com a slogan "Eu posso, eu passo".
À BBC News Brasil, o dono do curso Genius, Gilmar Avarenga, disse que as frases têm a finalidade de "empoderar os alunos no dia de prova" porque ele "precisa ser melhor do que uma parte considerável de seus concorrentes" e que as camisas também são parte uma estratégia de marketing para atrair novos estudantes.
Alvarenga disse ainda que não teve intenção de diminuir qualquer pessoa e pediu "desculpas, caso alguém tenha se sentido ofendido".
Para a psicóloga Dulce Penna Soares, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (Ufsc), especialista em orientação profissional e com atuação na área estudantil, a estratégia não é a mais apropriada nesse momento tão importante na vida dos estudantes.
"Esse tipo de motivação pode funcionar para um, mas com certeza não funciona para outro. Cada pessoa é diferente e não há motivação que venha de fora para dentro."
Soares também ressalta que usar frases intimidatórias é "adoecedor". "É uma prática que, ao invés de ajudar, torna mais difícil a situação. Está fazendo isso atingir os outros, mas não necessariamente o aluno se sente confiante daquele jeito", diz.
fonte BBC Brasil
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